Bayard Boiteux

Três dias em Washington, de patinete

Se eu fosse mais talentoso no esporte, teria levado skates. Mas estabanado como sou, preferi pegar o trem da Penn Station, em Nova York, rumo a Washington D.C. carregando dois patinetes e capacetes. A viagem de 3,5 horas foi ótima, mas a ideia de levar patinetes para conhecer a capital dos Estados Unidos com meu filhão de 9 anos foi melhor ainda – modéstia à parte. Os brinquedos deram não só agilidade entre uma atração e outra, como viraram uma diversão constante.

Washington é uma cidade fascinante. Planejada logo após a Guerra de Independência, no fim do século XVIII, mistura as aspirações quase proféticas dos fundadores dos Estados Unidos Da América com uma contradição original gritante. De acordo com a Declaração de Independência, “todos os homens são criados iguais” e “dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis, entre os quais estão Vida, Liberdade e a busca pela Felicidade”. Então como justificar a escravatura e o fato de todos os fundadores possuírem escravos?

Memoriais

Os três memoriais mais famosos homenageiam George Washington – representado pelo Obelisco – Thomas Jefferson (redator da Declaração de Independência) e Abraham Lincoln (que presidiu o país durante a Guerra Civil). O obelisco é o mais marcante no sentido de que ele literalmente é um marco visível de praticamente qualquer ponto da capital. O templo “grego“ de Jefferson com suas citações esculpidas em mármore branco é o meu preferido. O de Lincoln é visita obrigatória porque além de imponente, foi palco do discurso histórico do reverendo Martin Luther King Jr., “Eu tenho um Sonho”, em agosto de 1963. Por falar em MLK, o memorial dele vale a pena visitar numa mesma caminhada (ou patineteada) do Jefferson ao Lincoln, passando pelo Franklin Delano Roosevelt (apesar do memorial ao FDR estar meio mal cuidado).

Museus

Os principais museus da capital americana são os da Fundação Smithsonian e todos têm entrada franca. Abaixo um ranking pessoal, para quem visite Washington e queira priorizar de acordo com o tempo disponível. Nos três dias que passamos na capital, fomos a cinco museus. Ao Aeroespacial nós fomos em outra viagem.

Museus Smithsonian:

1)    Museu Nacional de História e Cultura Afroamericanas
Os ingressos são tão disputados que os reserváveis com antecedência já estão esgotados até novembro. Mas não se desespere. Às 6:30 da manhã, todos os dias, este site do museu abre e distribui ingressos com hora marcada para aquele mesmo dia. Eu botei o alarme, acordei 6:25, entrei na página às 6:30 e consegui 2 ingressos para 15:00 horas. Recomendo muito a visita, não só porque o museu é espetacular, misturando arte, cultura e história, mas porque tem um significado especial para quem é do Brasil. Nosso país recebeu 8 vezes mais escravos que os EUA (4 milhões vs. 500 mil, aproximadamente) e os portugueses lideraram o comércio de negros africanos no Novo Mundo.

2)    Museu Nacional Aeroespacial
A instalação que inclui o ônibus espacial Discovery é excepcional; o módulo de comando da Apollo 11 – que levou o Homem à Lua pela 1ª vez – é a Mona Lisa dos nerds espaciais como eu. O que incomoda um pouco é o descaso com Santos Dumont e a bajulação aos irmãos Wright…

3)    Museu Nacional da História Americana
Este museu é mais tradicional, mas é muito bem feito. E como a cultura norte-americana dos filmes, tevê e propagandas é muito predominante no nosso mundo ocidental, a história dos EUA nos é familiar, mesmo que estrangeira. A exposição da bandeira americana que deu origem ao hino é especialmente interessante.

4)    Museu Nacional Postal
É sério! Fica do lado da estação de trem principal e meu filho queria muito ir. Para quem vai pegar trem, vale a pena passar uns 45 minutos lá e aprender sobre o Pony Express – o auge dos “correios” dos EUA.

Há outros dois Smithsonian que me foram recomendados, mas que não conseguimos visitar: o Museu Nacional do Índio Americano e o Museu Nacional de História Natural.

Entre os museus privados, com entrada paga, fomos a dois, ambos muito bons:

1)    Newseum
O museu é muito bem localizado e tem vista privilegiada do Capitólio. A coleção de capas históricas de jornal é interessantíssima, um “primeiro rascunho da história” como diz uma inscrição no próprio museu. O pedaço enorme do Muro de Berlim com uma guarita da antiga DDR já vale o ingresso (salgado) de USD $25 (comprei online com antecedência e ganhei 15% de desconto!).

2)    International Spy Museum
É meio Disney, meio cheio de “historinha” – mas eu e meu filho nos divertimos. Tem vários equipamentos reais – ou supostamente reais – de espiões, como a câmera escondida no botão do casaco e a pistola disfarçada no guarda-chuva. O mais ridículo talvez seja a barbatana-faca que o espião coloca no colarinho da camisa e usa em casos desesperados de vida-ou-morte (ou para cortar um Camembert num piquenique improvisado com uma femme fatale, quem sabe?).

Mount Vernon – a fazenda de George Washington

Num dia de manhã bem cedo pegamos o metrô e depois um ônibus para uma viagem de cerca de uma hora até Mount Vernon, a linda fazenda de George Washington, na Virgínia. A fazenda é bem preservada, ideal para visitar com crianças (mas nos obrigaram a deixar os patinetes do lado de fora). Além da casa principal, estábulos, charretes, túmulo do George Washington e outras construções originais que levam o visitante ao fim do século XXVIII, há uma reconstrução de uma pequena senzala para alguns dos mais de 300 escravos que trabalharam para o primeiro presidente dos EUA. Ao morrer, em testamento, Washington serviu de exemplo e alforriou todos os 123 escravos dele; mas os demais – alugados ou pertencentes à família da mulher dele – não tiveram a mesma sorte. Um museu dedicado ao presidente, construído no local, é de alta qualidade, com muitos artefatos da Guerra de Independência.

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Capitólio – nossa última parada

Antes de pegar o trem de volta para NY, meu filho e eu pegamos outro trem…, um minimetrô pouco conhecido e muito exclusivo, que anda apenas 300 metros entre os escritórios dos senadores e o Capitólio.

Aqui, usei meu pistolão de jornalista e recebi uma visita guiada pelo escritório da senadora republicana Susan Collins, do estado do Maine. Mas o mesmo tour que eu fiz – excluindo o metrozinho – pode ser feito por qualquer pessoa com uma reserva pela internet.

Foi interessante, mas eu queria mesmo era ver os locais atuais onde deputados e senadores votam. E o tour só inclui as salas de votação antigas. Destaque para a pintura no topo do Capitólio – “A Apoteose de Washington” – que literalmente exalta o 1º presidente do país como um deus (pintada 6 décadas depois da morte de Washington, no fim da Guerra Civil). Outra curiosidade que só fui aprender agora: quase nada do Capitólio é original porque os ingleses queimaram o prédio na Guerra de 1812, quando tentaram retomar o controle da antiga colônia.

Fonte: G1

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