Bayard Boiteux

O poder de fascínio das cidades-fantasma

Poucas coisas provocam mais fascínio do que os lugares que foram construídos para as pessoas, mas onde não há pessoas. Edifícios abandonados, estruturas enferrujadas e ruas que antes eram lotadas hoje reconquistadas pela vegetação, são um poderoso símbolo da passagem do tempo, da nossa futilidade como espécie e também uma imagem impactante do que poderia ser um mundo no qual o ser humano não exista mais.

roda gigante abandonada (e nunca usada) de Pripiat é o grande símbolo do desastre de Chernobyl, que em 1986 esvaziou uma cidade inteira.roda gigante abandonada (e nunca usada) de Pripiat é o grande símbolo do desastre de Chernobyl, que em 1986 esvaziou uma cidade inteira. GETTY IMAGES

São conhecidas como cidades-fantasmas. Mas o que é exatamente uma cidade-fantasma? São, por exemplo, as ruínas de Pompeia? Não exatamente: um lugar desse tipo nos impacta mais quanto mais se parecer com as cidades que conhecemos. Os restos de pedra de um povoado antigo nos parecerão bonitos, mas observar um prédio como o que nós mesmos podemos ocupar ainda com os objetos das pessoas que viviam ali, e que reconhecemos como cotidianos, nos conduz a uma cena familiar e, portanto, muito mais chocante.

Muitas vezes esses lugares são museus de um momento recente da história: seus cartazes, placas de sinalização e templos ficaram congelados no tempo. Outra razão pela qual uma cidade-fantasma nos assombra é porque no momento é o mais parecida que conhecemos com uma viagem no tempo.

As cidades-fantasmas são inspiração para a ficção, um negócio milionário de agências de turismo em todo o mundo e uma fonte de inspiração para documentários e livros. Quando se completam 33 anos da tragédia de Chernobyl(que resultou na maior e mais famosa cidade-fantasma do mundo) repassamos alguns dos casos mais espetaculares. Aliás, na Espanha tivemos uma cidade-fantasma resultante do estouro da bolha imobiliária: a cidade de Seseña, projetada por Paco el Pocero, deserta durante anos. Mas hoje há listas de espera para ir morar lá. Estes outros casos que analisamos não tiveram o mesmo destino.

Pripyat, a cidade que Chernobyl esvaziou para sempre

Em Pripyat a natureza reconquistou a cidade.
Em Pripyat a natureza reconquistou a cidade. GETTY IMAGES

Onde fica? No norte da Ucrânia, quase na fronteira com Belarus.

Pode ser visitada? Sim, há excursões guiadas saindo de Kiev quase todos os dias, que incluem protocolos de segurança na entrada e na saída.

A famosa roda gigante de Chernobyl, que não foi inaugurada e hoje continua a ser um poderoso símbolo do desastre.
A famosa roda gigante de Chernobyl, que não foi inaugurada e hoje continua a ser um poderoso símbolo do desastre. GETTY IMAGES

O que aconteceu? Pripyat era uma cidade de cerca de 50.000 habitantes, onde viviam principalmente os trabalhadores da usina nuclear de Chernobyl e suas famílias. Uma cidade moderna para os parâmetros da União Soviética, que incluía cinemas, bibliotecas e até mesmo um pequeno parque de diversões prestes a ser inaugurado quando ocorreu o acidente da central nuclear, na noite de 26 de abril de 1986. A explosão do reator 4 forçou a retirada de toda a população da cidade por causa do risco de radiação, em princípio durante alguns dias. Dezenas de milhares de moradores de Pripyat e das aldeias vizinhas que saíram nunca puderam voltar.

Panorâmica Pripyat depois do desastre em 1986. Ainda não tinha o aspecto fantasmagórico que aparenta no momento.
Panorâmica Pripyat depois do desastre em 1986. Ainda não tinha o aspecto fantasmagórico que aparenta no momento. GETTY IMAGES

Como é hoje? Luis Lobo é um dos turistas espanhóis que visitaram o que é conhecido como a “zona de exclusão”. “Contratamos uma excursão em Kiev”, diz ele. “A agência se encarregou da papelada com os militares para atravessar o acesso. Minha primeira sensação foi de espanto: esperava algum sinal dos estragos da radiação, como solo estéril ou ausência de animais. Em vez disso, o que havia era a natureza em estado puro abrindo caminho e reconquistando espaços que antes eram vilas, casas ou escolas. Passeando pelo interior de casas, escolas e outros edifícios era como percorrer uma fotografia do momento em que foram abandonados. Para onde quer que você olhasse, podia ver uma história. Pudemos chegar perto do perímetro da usina, fazer uma selfie macabra e nos espantar com o tamanho descomunal do novo sarcófago que estava sendo construído a poucos metros [uma estrutura gigantesca que tentará evitar novos vazamentos de radiação]. De volta a Kiev, tivemos de passar de novo por outro controle militar. Desta vez havia uma máquina para dar um alerta e impedir a saída caso alguém estivesse contaminado.”

Há alguns moradores que, apesar das advertências das autoridades, decidiram não abandonar suas casas dentro da zona de exclusão. Atualmente, calcula-se que cerca de 150 pessoas vivam nessa área. Outros trabalhadores ainda fazem serviços de manutenção na central, mas sempre controlando seu tempo para não ficarem expostos a níveis de radiação muito altos.

Onde vi isso? Prípyat inspirou desde livros chocantes como Vozes de Tchernóbil, da vencedora do prêmio Nobel Svetlana Aleksiévitch, a filmes de terror como Chernobyl.

Centralia, a cidade abandonada que vive sobre o fogoAs fumegantes estradas de Centralia.

As fumegantes estradas de Centralia. GETTY IMAGES

Onde fica? No Estado da Pensilvânia, Estados Unidos.

Pode ser visitada? Não há excursões programadas, mas pode-se chegar lá por estrada. A cidade grande mais próxima é Filadélfia, a cerca de duas horas de carro.

Esta foi Centralia nos anos sessenta, quando o fogo começou. Hoje nada resta .
Esta foi Centralia nos anos sessenta, quando o fogo começou. Hoje nada resta . CENTRALIA, PA / FACEBOOK

O que aconteceu? Centralia nunca foi uma cidade muito grande, mas era vibrante: graças à qualidade do seu subsolo, tornou-se uma próspera comunidade mineira em meados do século passado. Em 1962, um incêndio começou em uma das passagens das minas que, como túneis subterrâneos, atravessavam toda a cidade abaixo da superfície. As abundantes reservas de carvão começaram a queimar, criando um inferno de 700º. O fechamento das minas não foi um drama econômico para a cidade: com a chegada do gás e do petróleo, o carvão já estava sendo abandonado. O verdadeiro drama viria em seguida: depois de anos pensando que o fogo nas minas se apagaria sozinho, no final dos anos setenta começaram a aparecer buracos fumegantes no chão. Em 1981, uma criança quase morreu quando um buraco gigante ardente se abriu sob seus pés enquanto brincava em seu quintal. A vida na cidade se tornou impossível: 1.200 pessoas tiveram que partir.

Nesta foto tirada em 1982, um morador de Centralia demonstra como um ovo pode ser frito com o calor intenso que sai do solo.
Nesta foto tirada em 1982, um morador de Centralia demonstra como um ovo pode ser frito com o calor intenso que sai do solo. GETTY IMAGES

Como é hoje? Em 2019 quase não restam mais casas. As construções foram demolidas pelas autoridades para evitar perigos. Alguns moradores se recusaram a sair: há menos de dez morando lá hoje. E a igreja continua de pé. O resto são florestas que cresceram onde antes havia as ruas e a movimentação de pessoas, além de estradas cheias de pichações que recebem visitas de viajantes curiosos.

Onde vi isso? Certamente a história não é estranha para você se já jogou o videogame Silent Hill ou viu o filme Terror em Silent Hill, situado em uma cidade abandonada onde só há neblina e cinzas. É, obviamente, inspirado em Centralia.

Hashima, a ilha cheia de edifícios em que não mora mais ninguém

Os edifícios abandonados que ainda seguem de pé na ilha de Hashima.
Os edifícios abandonados que ainda seguem de pé na ilha de Hashima. GETTY IMAGES

Onde fica? A cerca de 15 quilômetros da costa de Nagasaki, no sul do Japão.

Pode ser visitada? Sim, vários operadores oferecem visitas turísticas à ilha, que duram por volta de três horas e custam cerca de 135 reais.

Visão geral de uma das partes da Ilha Hashima e seus edifícios de concreto característicos, tomada do local que já foi uma escola.
Visão geral de uma das partes da Ilha Hashima e seus edifícios de concreto característicos, tomada do local que já foi uma escola. JORDY MEOW / WIKIPEDIA

O que aconteceu? Uma camada de carvão nas profundezas do mar fez com que esta pequena ilha localizada perto da costa se tornasse uma mina (em sentido literal e econômico). Em 1890, a empresa Mitsubishi a comprou para explorá-la. Por causa das fortes ondas e tufões, a ilha foi murada, dando-lhe uma misteriosa aparência encouraçada. No interior, no início do século XX, foram construídos edifícios para abrigar todos os trabalhadores das minas e suas famílias. O terreno era tão pequeno e tinha que acomodar tantos trabalhadores (5.000 pessoas chegaram a viver em uma área de 480 metros de comprimento e 180 metros de largura) que os primeiros prédios de concreto e os edifícios mais altos do Japão na época foram construídos ali. Havia todo o tipo de serviços: de acordo com as crônicas da época, até mesmo um bordel. Sua arquitetura, de imensos blocos de concreto grudados, continua a fascinar ainda hoje, quando está vazia há mais de 40 anos: quando o carvão caiu em desuso na década de setenta, os trabalhadores e suas famílias deixaram a ilha para procurar outros empregos. Hoje está desabitada, embora receba visitantes de todo o mundo.

Panorâmica da ilha Hashima, no Japão.
Panorâmica da ilha Hashima, no Japão. WIKIPEDIA

Como é hoje? Hashima chegou a ter a mais alta densidade populacional do mundo. Enormes blocos de concreto, com varandas que quase se tocam em ruas estreitíssimas, tudo isso situado sobre uma ilha que parece uma fortaleza. “É uma dessas experiências em que as fotos não refletem a história completa”, conta no TripAdvisor um turista australiano que visitou o lugar. E acrescenta: “É uma sensação muito estranha caminhar por esta ilha abandonada. Por motivos óbvios, a excursão é feita apenas em certas zonas. Imagino que as demais sejam perigosas. É interessante ver como a vegetação começou a cobrir tudo. Dentro de 20 anos, imagino que praticamente vai tampar os edifícios.”

Varosha, o paraíso das férias que está vazio há 40 anos

Onde fica? Na costa de Chipre, justo na fronteira que separa Chipre de Chipre do Norte — como é conhecida a República Turca de Chipre do Norte; ou seja, a parte da ilha controlada pela Turquia e não reconhecida internacionalmente.

A paisagem de Varosha. Todos os hotéis à beira-mar estão vazios e em ruínas.
A paisagem de Varosha. Todos os hotéis à beira-mar estão vazios e em ruínas. GETTY IMAGES

Pode ser visitada? Não. A entrada é totalmente proibida, com vigilância militar.

O que aconteceu? Nos anos sessenta, Varosha era um dos destinos turísticos mais badalados do mundo. Estrelas de Hollywood como Richard Burton, Elizabeth Taylor e Brigitte Bardot visitavam a zona costeira cipriota em busca de seus magníficos hotéis e suas praias de areia fina. Em 1974, a Turquia invadiu a parte norte da ilha, e os habitantes de Varosha fugiram com a roupa do corpo, esperando voltar quando a situação se acalmasse. Mas isso nunca aconteceu. A cidade está cercada, controlada pelo exército e deserta desde então. Mas por que os turcos não a reocuparam? Porque uma resolução da ONU de 1984 impede que quaisquer pessoas que não sejam seus antigos habitantes pisem ali. A situação não avança há décadas, em permanente estado de negociação.

Zona de Famagusta, em Varosha, antes da guerra, segundo um cartão postal dos anos sessenta.
Zona de Famagusta, em Varosha, antes da guerra, segundo um cartão postal dos anos sessenta.

Como é hoje? Uma espécie de Benidorm [município costeiro espanhol] pós-apocalíptico que só pode ser observado atrás da cerca. Quem a atravessa corre o risco de ser alvejado pelos militares turcos que vigiam a zona. Comenta-se que as luxuosas concessionárias de automóveis que funcionavam no lugar ainda exibem os modelos de 1974. O município pode ser visto de longe, das agitadas praias da cidade de Famagusta. Elas estão cheias de vida, mas os prédios situados quilômetros mais adiante permanecem abandonados e em absoluto silêncio.

Um dos grandes hotéis da praia de Varosha, hoje completamente abandonado.
Um dos grandes hotéis da praia de Varosha, hoje completamente abandonado. GETTY IMAGES

Fukushima, onde o mato já cobre os antigos videoclubes

Onde fica? Várias cidades e vilarejos da zona de Fukushima, no Japão, como Namie, Ukedo e Okuma, foram evacuados em 2011, por causa do risco de radiação, por estarem muito perto da usina nuclear de Fukushima I.

Um posto de gasolina da área evacuada de Fukushima.
Um posto de gasolina da área evacuada de Fukushima. GETTY IMAGES

O que aconteceu? Em 2011, um forte tsunami seguido de um terremoto deixou mais de 15.000 mortos no Japão. Afetou uma usina nuclear e fez o mundo temer uma nova tragédia de Chernobyl. Ela aconteceu em parte: três explosões na usina nuclear de Fukushima I liberaram uma grande quantidade de material radioativo, obrigando a evacuação de milhares de pessoas das redondezas.

Como é hoje? María, uma espanhola que mora no Japão e trabalha numa agência de turismo, visitou a área no verão passado. “Existem três zonas”, ela explica. “A Zona 1 abrange a usina nuclear e os arredores, sem acesso. Na Zona 2 é possível entrar sem permissão, mas não se pode pernoitar, pois é considerada um local de passagem; já a Zona 3 foi evacuada na época e tem sido repovoada aos poucos. Há uma passagem de uma zona a outra. Há também medidores de radiação em toda a estrada que atravessa a área de norte a sul. Placas recomendam que as pessoas passem ali o menor tempo possível. Todos os desvios estão fechados para as casas da Zona 1. Mas, se você entrar pelas estradas abertas, verá casas desabitadas, concessionárias cheias de carros abandonados, centros de recreação saqueados, grandes extensões de terra em processo de descontaminação e valas imensas cheias de sacos de lixo preto, que contêm terra e resíduos contaminados.”

Onde vi isso? Está em preparação Fukushima 50, um filme sobre a tragédia protagonizado por Ken Watanabe. Mas quem já viu a versão de 2014 de Godzilladeve ter reparado nos paralelismos entre o desastre de Fukushima e a zona zero no Japão, que aparece no início do longa-metragem.

O mato cresce sobre o que parecia ser uma livraria e uma locadora de vídeo em Fukushima.
O mato cresce sobre o que parecia ser uma livraria e uma locadora de vídeo em Fukushima. GETTY IMAGES

Fonte: El País Brasil

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