Bayard Boiteux

Trio oferece um Carnaval diferente em Salvador

Na manhã deste domingo (8), o Carnaval entrou de mansinho no Teatro Castro Alves (TCA), em Salvador, visitou, um por um, os cerca de 1500 espectadores que lotaram o espaço e, na saída, expulsou todo mundo de suas poltronas, em um convite explícito à dança. O fenômeno teve razão de ser, nome e sobrenome. Atende por Três na Folia, espetáculo comandado pelas cantoras baianas Manuela Rodrigues e Sandra Simões e pela paraense radicada na Bahia Cláudia Cunha. O show, que abriu a temporada 2012 do projeto Domingo TCA, teve a participação mais que especial do cantor de reggae Lazzo Matumbi e contou com versões de clássicos carnavalescos e músicas próprias dos artistas.

O repertório, segundo as cantoras, é uma confluência dos interesses das três. Tem de quase tudo. De Carmem Miranda a Raul Seixas e de um frevo como “A filha da Chiquita Bacana” ao fricote “O que é que essa nêga quer”, de Luiz Caldas. O trio é acompanhado no palco por cinco músicos: dois guitarristas, um baterista, um percussionista e um baixista. Os arranjos das canções foram adaptadas ao gosto e ao estilo do Três na Folia.

O público começou a chegar ao teatro às 9h (horário de Brasília), cerca de duas horas antes do início do espetáculo, quando os ingressos foram postos à venda. O preço praticamente simbólico das entradas – R$ 1, inteira, e R$ 0,50, meia – ajuda a entender o sucesso do projeto. E a dedicada plateia foi logo de início recompensada pelas artistas, que entraram no palco pelas portas de acesso geral. As Três na Folia começaram em grande estilo, destilando sucessos como “South American Way”, “Alô Alô” e “Taí” (aquela do “eu fiz tudo pra você gostar de mim”), em homenagem a Carmem Miranda.

Vestidas em roupas super coloridas e dançando por todo o espaço do enorme palco do TCA, as artistas logo deram provas do caráter teatral do espetáculo. Tanto é que fizeram questão de agradecer, em cena, às “dicas cênicas” do diretor Fernando Guerreiro. Logo após apresentarem o “bloco baiano” do repertório, que contou com as músicas “Cá tu, cá eu”, “Le fudez vouz” (interpretada por As Frenéticas) e “O nosso amor morreu”, esta última do compositor Álvaro Lemos, as cantoras surpreenderam ao escolher uma música não tão carnavalesca assim, “Como vovó já dizia”, de Raul Seixas. Mas bastou colocar os óculos escuros da letra da canção e alterar o arranjo para entrar na folia.

O afoxé também teve espaço com “Ê menina” e “Êmoriô”, belamente interpretadas por Sandra Simões e Cláudia Cunha, respectivamente. Até aí, apesar de demonstrar o encanto com o espetáculo, sempre com um sorriso no rosto, o público estava tímido. Aquele tipo de Carnaval pouco lembrava o que se vê atualmente nas ruas de Salvador, tão vendido e exibido para o resto do Brasil e para o mundo. Mas isso mudou em pouco tempo. A entrada do cantor Lazzo, com sua voz inconfundível, fez explodir de alegria pela primeira vez na manhã/tarde. O reggae man apresentou “Alegria da cidade” e “Me abraça e me beija”, apostando na interação com os espectadores e arrancou gritos de “mais um” ao se retirar do palco.

Mais agitados, os espectadores reagiram bem ao bloco de marchas – “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, “Bloco da solidão” e “Pierrô apaixonado” – e foi ao delírio com “Baianada”, de Waldeck Artur de Macedo, o Gordurinha (1922-1969), que contém diversas provocações. “O Brasil foi descoberto na Bahia e o resto é interior / É por isso que eu nem ligo, é até cartaz pra mim / Quando a turma de São Paulo ou do Rio de Janeiro / Começa a cantar assim / Um baiano um coco / Dois baianos, dois cocos  Três baianos, uma cocada / Quatro baianos, uma baianada”.

Na série de frevos, nem o público aguentou ficar sentado, nem as cantoras vê-lo assim. Para o desespero de alguns membros da organização do TCA, os versos de “Pula, caminha”, de Gilberto Gil, foram como uma ordem para a plateia. “Sem querer entrei na folia / Vou me esbaldar pra valer / Ficar parado assim é que não pode ser”. E daí em diante, ninguém ficou parado. O show acabou com o teatro em festa e com o retorno de Lazzo à cena. Para elevar o espírito e mandar o público de volta para casa completamente descontraído, o trio escolheu o clássico “O que é que essa nega quer”, de Luiz Caldas.

A apresentação do Três na Folia neste domingo foi prova cabal de que Carnaval na Bahia, para fazer sucesso, não necessariamente tem que ser o que sempre é.

TRÊS – O show também deu espaço à individualidade de cada integrante do Três na Folia. Sandra Simões, que no início deste ano lança seu primeiro CD, “Sou Bamba e Rock in Roll” (Conexão Vivo) e nesta segunda-feira (9) começa uma temporada com o show “Samba Urbano” em Salvador, interpretou “Comigo ninguém pode”. Lançando seu segundo álbum, Manuela Rodrigues apresentou uma das canções do disco, “Barraqueira”, e conquistou a plateia com uma interpretação inspirada. Cláudia Cunha, que está em processo de gravação do segundo CD e ganhou prêmios com o disco de estreia, “Responde à Roda”, também encantou o público com sua voz de soprano.

O primeiro encontro musical do trio aconteceu em 2009, em um domingo de Carnaval, no circuito Osmar, localizado no bairro do Campo Grande. A festa foi destinada ao chamado folião pipoca, já que não havia cordas cercando o trio elétrico que animou a multidão. Em 2011, o projeto cresceu e virou show com uma temporada de um mês no Pelourinho e outras apresentações na folia do Momo, uma delas com o cantor Lenine.

Para 2012, a programação durante o Carnaval ainda não está fechada. Cogita-se apresentação em palcos alternativos, mas ainda não há nada acertado, já que a agenda das três está bastante movimentada em janeiro.

DOMINGOS – Criado há cinco anos, o projeto Domingo TCA, promovido pela Secretaria de Cultura da Bahia, reserva uma data por mês para exibir um espetáculo a preços simbólicos. Segundo o diretor-geral do TCA, Moacir Gramacho, a ideia é oferecer produtos de qualidade para quem não pode pagar os preços geralmente cobrados no mercado. E a iniciativa é um sucesso. “Desde o primeiro dia, sempre temos casa lotada. No começo, diziam que o baiano não deixaria de ir a praia para vir ao teatro, mas o público tem aproveitado as oportunidades”, comenta.

Em todos os anos de projeto, já foram apresentados espetáculos de música, teatro, cinema e até ópera. Gramacho conta que, durante o Domingo TCA, já houve gravação e lançamento de DVDs, dos cantores baianos Gerônimo e Moraes Moreira, respectivamente. “Em alguns casos, a procura foi tanta, a fila tão grande, que tivemos que negociar de última hora uma segunda apresentação com a produção dos espetáculos”, lembra o diretor do Castro Alves.

A democratização do acesso é garantida, também, pelo modo como são vendidos os ingressos. Para coibir a ação dos cambistas, as entradas só são comercializadas na manhã do dia do espetáculo e o acesso é imediato. A próxima atração do projeto acontecerá no dia 5 de fevereiro. Trata-se da peça teatral “Outra Tempestade”, do TCA Núcleo de Teatro.

Fonte: UOL

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