Bayard Boiteux

Como oásis no deserto, lagoas dos Lençóis Maranhenses dão ares de miragem ao destino

Deserto é zona árida, de chuva escassa, sem vegetação, despovoado. Está nos dicionários. Um deserto molhado configura uma esquisitice da natureza. Centenas de quilômetros de dunas de areia preenchidas por piscinas naturais gigantescas é um sinal de que, como diz a canção, alguma coisa está fora da ordem. Assim são os Lençóis Maranhenses: únicos no mundo, por conta da qualidade das chuvas na região, capazes de enriquecer o deserto com milhares de oásis azuis e verdes por alguns meses do ano. Uma paisagem que desafia a lógica e convida à aventura. Junto com Jericoacoara, no Ceará, e Delta do Parnaíba, entre os estados Piauí e Maranhão, os Lençóis Maranhenses compõem a Rota das Emoções do Nordeste brasileiro.

No alto da duna, já avistando as morrarias sem fim de curvas delicadas e cursos d’água reluzindo ao sol, a primeira das emoções é o pasmo. Os turistas logo correm para um mergulho e quando olham para o alto da duna percebem que alguns estrangeiros ainda estão lá, boquiabertos, sem ação. ‘CŽest bizarre, non?’ Bizarro é pouco. Em determinados ângulos, o lugar parece a Lua, de solo arenoso, cheio de crateras. A paisagem lunar, aliás, é uma das histórias do filme “Casa de Areia”, do diretor Andrucha Waddington, gravado na região.

Geografia

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses tem área de 155.000 hectares, com perímetro de 270 km, nos quais cabem cerca de 70 km de praias desertas. Nos Lençóis, o índice pluviométrico chega a 1.600 mm por ano, ou cinco vezes mais do que a chuva média em regiões desérticas. A partir da orla marítima, ao norte, a força dos ventos monta e desmonta as dunas por 50 km rumo ao interior. E a força das chuvas faz cair tanta água no primeiro semestre de cada ano que ainda sobram bilhões de litros, nem evaporados nem absorvidos pela areias, para formar as piscinas naturais que são a grande atração do local.

É importante planejar o período da viagem, a fim de aproveitar as lagoas em todo o seu esplendor, quando várias delas oferecem águas profundas para banho. Em geral, a melhor época para visitação vai de maio a setembro. Em 2009, por exemplo, choveu muito durante o inverno no Maranhão, e a precipitação acima da média deve preservar várias lagoas até outubro. Segundo os guias locais, alguns oásis permanentes, como a lagoa do Peixe, vão sobreviver até o final do ano.

A pequena cidade de Barreirinhas, a 260 km de São Luís, reúne boa infra-estrutura de apoio aos turistas. São várias opções de hospedagem, inclusive resorts de luxo, e uma rotina diária de passeios nas dunas, com guias e veículos apropriados, e também nos manguezais do rio Preguiças, cartão-postal da região. Os principais circuitos de lagoas ficam a 10 km ou 15 km do centro de Barreirinhas. É preciso cruzar o rio de balsa e percorrer um trajeto difícil de chão batido, em que até jipes com tração nas quatro rodas podem atolar.

Santo Amaro do Maranhão é outra porta de entrada para o parque nacional. O número de pousadas é menor, mas as lagoas e as dunas estão mais próximas do centro da cidade. Santo Amaro foi cenário e quartel-general do filme ‘Casa de Areia’, que tem Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Seu Jorge e Luiz Melodia como os casais protagonistas.

Atrações

Há vários níveis de aventura, para todas as idades, neste recanto especial do mundo. É comum ver crianças a partir de três ou quatro anos brincando no circuito da Lagoa Azul, o mais procurado. Basta subir uma ou duas dunas e pronto: mesmo adultos sedentários chegam facilmente a este oásis, depois do rali dentro da camionete. Crianças, adolescentes e adultos em busca de um momento “relax” também curtem descer o tranqüilo rio Formiga em bóias, em meio a uma vegetação de verdes intensos, distante uma hora e meia de Barreirinhas.

Trilhas de dia inteiro ou três dias, percorrendo dezenas de quilômetros nas dunas ou na orla do mar, podem ser contratados com guias especiais. As vantagens do circuito exclusivo são o mergulho solitário em lagoas intocadas, e as caminhadas noturnas, sem o sol inclemente, quando as areias surgem ainda mais brancas. Uma atividade recente que injeta adrenalina nos Lençóis é o passeio de quadriciclo, criticado por ambientalistas por oferecer risco à vegetação e à fauna de bichos pequenos, especialmente aos ninhos das aves. O Parque dos Lençóis foi criado em 1981 pelo governo federal. Quase trinta anos depois, os recursos para a preservação ambiental e a fiscalização dos infratores ainda são precários.

Alguns cuidados se impõem: usar sandálias ou chinelos em vez de tênis; proteger a cabeça com chapéus ou lenços e o corpo com protetor solar; retirar as lentes de contato, se possível; carregar água, sucos em caixinha, frutas e biscoitos na mochila, porque o esforço pede reposição de calorias; proteger as câmeras com plástico, já que a areia chega por todos os lados. Para aproveitar melhor a beleza do entorno, óculos de natação, snorkel e mesmo binóculos são fundamentais. Imagine topar com uma fileira de vitórias-régias durante o mergulho, com seus caules finos e longos balançando nas ondas. Nascem até vitórias-régias neste deserto de outro mundo, assim como nascem e se reproduzem pequenos peixes, os piabinhas. Segundo os guias, as sementes das plantas e as ovas são trazidas pelas aves, já que não existe comunicação das lagoas de água doce com o mar ou os rios. E peixe não brota na areia.

Os guias também ajudam a esclarecer uma cena que, ao longe, parece singela, e vai ganhando contornos dramáticos no relato. Um homem puxa um jegue sobre a duna, os dois minúsculos, no meio do nada. Os dois caminharam 25 km até o mar, para a pesca de subsistência, e estão fazendo a viagem de volta, para casa. O jegue está exausto, com sede, sem pastar há dias, carregando peso, e o pescador precisa arrastar o animal na areia fofa. Se o jegue rolar duna abaixo, como fazem os turistas em férias, adeus subsistência.

É provável que os índios caetés já percorressem as mesmas longas trilhas móveis no rumo do mar, séculos atrás, para pescar. Um cenário selvagem como o dos Lençóis Maranhenses tem o poder de embaralhar os tempos. O pescador, a família dele e o jegue vivem como no século 19: sem luz elétrica. O tempo das multidões de turistas e dezenas de camionetes alinhadas nas dunas é o de hoje: os celulares tocam na ventania, alguém agradece os parabéns e informa que decidiu passar o aniversário na Lua, quer dizer, nos Lençóis, e uma turista japonesa sopra a areia das teclas a fim de enviar a terceira foto da lagoa Bonita para os amigos de Osaka. Para eles acreditarem que o que ela viu é real, não é montagem. Melhor mandar mais uma.

Fonte: UOL Turismo

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