Mais do que estádios, hospedar uma Copa do Mundo exige anos de investimentos em infraestrutura, planejamento e trabalho. De acordo com dois jornalistas estrangeiros que estiveram presentes tanto no Mundial da Rússia em 2018 quanto no do Brasil, em 2014, foram os russos que demonstraram estar melhor preparados em geral para receber o maior campeonato de futebol do planeta.
Ao G1, Gary Meenaghan, um escocês de 34 anos que esteve em todos os mundiais desde 2010, e o argentino Sebastian Fest, de 47 anos, que já tem a cobertura de seis copas no currículo, afirmaram que a Rússia também surpreendeu em relação à empatia e hospitalidade. Mas quando o quesito é a estrutura turística e o acolhimento dos visitantes, quem ganhou foi o povo brasileiro.
Ambos afirmam que já conheciam o Brasil antes de passarem um mês no país para cobrir o Mundial. Meenaghan contou que, pessoalmente, gostou tanto do período que passou entre as cidades-sede brasileiras que se mudou definitivamente para o Rio de Janeiro em 2015.
Atualmente, ele está de casamento marcado com uma mineira de Belo Horizonte, que ele conheceu em um Réveillon em Copabacana.
Veja a seguir as impressões de ambos sobre o que encontraram nos dois eventos mundiais:
1- Infraestrutura da Copa
- Estádios
O escocês Gary Meenaghan, que escreveu sobre a Copa para jornais do Oriente Médio e da Grã-Bretanha, explica que, assim como no Brasil, o evento da Rússia teve uma mescla de estádios renovados e construídos do zero, sempre seguindo o chamado “padrão Fifa”.
Sebastian Fest, que cobriu o Mundial na Rússia para o jornal “La Nación”, da Argentina, ressalta que, na Copa de 2014, muitos estádios foram concluídos em cima da hora, nas vésperadas das partidas inaugurais. “Eu creio que os estádios russos claramente são melhores que os brasileiros. Me lembro que no Mundial no Brasil estavam terminando os estádios na véspera da inauguração e das primeiras partidas.”
- Localização e acesso
A localização das arenas russas, porém, foram mais acessíveis, segundo Meenaghan, com linhas de metrô e bondes servindo diretamente os estádios. “Como na Arena Sochi, que fica no meio do Parque Olímpico, e é até possível caminhar confortavelmente até ela.”
Ele lembra que, após a partida entre Uruguai e Portugal, precisava pegar um voo em seguida e, com uma caminhada de entre dez e 15 minutos e mais 12 minutos em um táxi sem trânsito, ele conseguiu chegar tranquilamente ao aeroporto.
“Os acessos [no Brasil] eram muito mais complicados, às vezes mal indicados, isso não aconteceu na Rússia”, disse Fest, ressaltando, ainda, que o sistema de som na Rússia também foi superior.
O argentino também contou que os voluntários da Fifa na Rússia aplicaram uma goleada contra os do Brasil. “No Brasil os voluntários em geral não tinham ideia de nada ou indicavam mal.”
Por causa do tamanho do território russo, o jornalista sul-americano disse que os centros de treinamento das seleções ficaram concentradas principalmente na região de Moscou. “Era uma hora, hora e meia, duas horas de viagem, um congestionamento espantoso, tão grave quanto o de São Paulo, então era muito complicado chegar às seleções.”
- Internet móvel e fixa
Meenaghan diz que as salas de imprensa nos dois países eram tão parecidas, das cadeiras aos televisores, tomadas e ônibus de traslado, e até a comida na Rússia parecia ter sido requentada da edição de 2014. Mas Fest aponta uma diferença importante, na qual a Rússia saiu em vantagem.
“O serviço 4G de telefonia celular em Rússia, que é 82 vezes melhor que o da Argentina e 75 vezes melhor que o do Brasil. Aí sim que se nota a diferença. Aqui o 4G voa, se pode trabalhar muito bem esteja onde estiver. E no Brasil, não.” – Sebastian Fest
2- Transporte
- Metrô
Nessa categoria, a Rússia também saiu ganhando do Brasil. “O metrô em Moscou é uma coisa tremenda, uma das melhores redes do mundo. E como você sabe, no Rio isso é algo embrionário”, explicou Fest, para quem a única cidade que oferece uma malha viária mais extensa no Brasil é São Paulo.
- Ferrovias e estradas
Nos traslados entre cidades, ambos os jornalistas foram categóricos: o fato de a Rússia contar com uma extensa malha ferroviária facilitou imensamente a vida de jornalistas e torcedores durante todo o Mundial.
Para Meenaghan, as viagens de trem foram “uma das melhores coisas” da Copa na Rússia, principalmente porque o transporte público foi grátis para jornalistas e torcedores com ingresso, e muitas viagens de longa distância de trens também eram, se reservadas com antecedência.
“Em vez de pagar mais de R$ 1.200 por um voo só de ida de Sochi a Moscou, eu pude viajar de graça em um trem noturno, economizando o custo do voo e de uma noite de hotel. Claro, a viagem de trem demora, mas como ela tem camas e um café a bordo, é bem confortável e você consegue trabalhar. O wifi nunca funcionava nos mais de dez trens que eu peguei, mas as vistas da janela eram melhores que as vistas por entre as nuvens.” – Gary Meenaghan
- Aeroportos
O argentino também elogiou os aeroportos russos, que foram renovados para receber a Copa – o maior empecilho era o alto nível de segurança dos acessos, diz ele, mas os procedimentos de check-in e embarque foram mais agilizados que no Brasil.
Já jornalista escocês, que ficou famoso no Brasil em 2014, depois de pegar 29 voos em 28 dias, todos eles sem atraso, teve uma experiência pior nos aeroportos da Rússia. Como andou mais de trem, ele só pegou quatro voos durante a Copa de 2018.
“Mas dois atrasaram e minha mala foi parar em Moscou quando eu voei para São Petesburgo”, contou ele. A demora da entrega da mala fez com que ele precisasse comprar itens de higiene e emprestar roupas de um colega.
3- Serviços turísticos
- Acomodação
A hospitalidade com os turistas foi o único dos cinco quesitos em que o Brasil acabou na frente da Rússia na comparação dos jornalistas. Para Sebastian Fest, a sede da Copa de 2014 já tinha uma estrutura turística que favoreceu a recepção do grande volume de estrangeiros para o Mundial.
“No Brasil, vocês têm serviços aos turistas, hotéis em São Paulo, no Nordeste também. A Rússia não tem como estar em vantagem. Moscou é uma grande cidade, São Petesburgo também, e paro de contar. Kazan tem suas coisas, Níjni Novgorod é um pouco de chorar, são cidades pequeninas que turisticamente têm menos serviços e estão menos preparadas que o Brasil” – Sebastian Fest
Gary Meenaghan afirma que nos dois países escolheu hospedagens pelo AirBnB e que, apesar de todas as acomodações que alugou terem boas condições de limpeza e acesso ao wifi, o processo de reserva deixou a desejar.
“Muitas das minhas reservas foram canceladas depois da confirmação, e alguns me escreveram tentando aumentar o preço em até 30%”, afirmou ele, ressaltando que alguns apartamentos eram “ótimos”, mas muitos estavam “velhos e sombrios”.
- Restaurantes
Meenaghan já havia ido à Rússia para a Copa das Confederações e afirma que se surpreendeu com a boa qualidade e o preço das refeições. “As porções tendem a ser menores que no Brasil, o que pode ser frustrante”, afirmou.
“Mas a comida em geral é muito saborosa e com uma vasta variedade culinária.”
Na primeira semana em Moscou, ele diz ter provado refeições típicas da Coreia do Norte, Uzbequistão, Nepal, Geórgia, Itália e Rússia. “Vai ser difícil comer uma refeição satisfatória e beber uma cerveja por menos de 600 rublos [o equivalente a cerca de R$ 40]”, explicou Meenaghan.
4- Comunicação
- Língua
Os dois jornalistas já tinham um contato inicial com o português quando vieram ao país para a Copa de 2014. Eles também afirmam que a língua portuguesa também sai em vantagem em relação ao russo por causa do alfabeto cirílico, que impede turistas de entenderem coisas básicas nas ruas e letreiros da Rússia.
De acordo com Sebastian Fest, porém, os brasileiros também apresentaram um conhecimento melhor do inglês do que os russos.
“Vocês falam mais inglês que os russos, ainda que aqui eu diria que a juventude está falando bem mais inglês. Mas em geral não, esse é um país que não fala inglês, e a estrela foi o aplicativo do Google Translator no celular, em que você falava em castelhano ou em inglês e traduzia ao russo e vice-versa.” – Sebastian Fest
- Sinalização
Gary Meenaghan disse que sentiu muita dificuldade em se locomover pelas ruas e metrôs na Rússia. “A falta de sinalizaão em algumas estações de metrô é impressionante, e ler as placas nas ruas é impossível em cirílico”, disse ele. “Um amigo meu que cobriu a Copa no Japão e na Coreia disse que a Rússia foi, em termos de língua e sinalização, muito mais difícil.”
- Acolhimento
O escocês, que pode comparar a acolhida de 2017, na Copa das Confederações, e a de 2018, disse que os russos evoluíram bastante nessa área, e superaram uma questão cultural: segundo ele, na Rússia, sorrir sem motivo aparente é tido como sinal de estupidez, e isso faz com que eles pareçam mais distantes.
“Perguntar aos locais não é tão fácil [quanto no Brasil] porque a cultura é muito fechada, mas notei uma grande diferença do ano passado, quando era quase impossível conseguir que as pessoas te ajudassem. Como se estivessem conscientes de sua reputação fora da Rússia, muitas pessoas se abriram e tentaram ajudar.” – Gary Meenaghan
- Segurança
Meenaghan também ressalta que se sentiu mais seguro andando pelas ruas das cidades-sede russas do que no Brasil, também pela sensação de segurança quanto pelo fato de que, em várias delas, o sol nasce entre 3h e 4h da madrugada. Sua impressão é de que os policiais também se mostraram mais lenientes, apesar de ele ter sido abordado duas vezes de forma aleatória e instado a mostrar seus documentos – “um golpe comum no passado, quando a polícia tentava te extorquir e conseguir propina”.
- Simpatia
No quesito simpatia, a unanimidade ainda é a favor dos brasileiros e sua acolhida dos visitantes estrangeiros. “O Brasil já sabemos como é, os brasileiros muito amáveis, o Brasil é uma festa, o futebol é o que é, então nesse sentido me parece que o Brasil sempre tem vantagem”, afirmou Fest.
Mas a recepção russa deixou boas lembranças na memória de ambos.
“A Rússia é uma surpresa. Foram muito receptivos, muito amáveis, muito simpáticos, se portaram realmente bem. E são muito mais quentes, sorridentes e empáticos do que se esperava”, disse o argentino.
Para Meenaghan, não existe comparação, já que a adoração dos brasileiros pelo futebol impacta muito mais na relação com os estrangeiros.
“Qualquer pessoa com quem você falava [no Brasil] tinha um interesse na Copa, as ruas estavam pintadas, havia bandeiras e banners e fogos de artifício e uma atmosfera de festa que durou quase um mês. Aqui é diferente: a maioria dos russos com quem falei longe de estádios não liga para futebol.” – Gary Meenaghan
5- Custo-benefício em geral
Os dois jornalistas dizem que a Rússia acabou sendo mais econômica do que o Brasil de 2014. Depois de sua visita em 2017 para a Copa das Confederações, Meenaghan diz que esperava encontrar uma inflação dos preços neste ano.
Acabou encontrando tentativas do tipo na acomodação, mas nos restaurantes ele afirma que isso não foi um problema.
No geral, porém, os dois jornalistas acreditam que valeu mais a pena o serviço que encontraram na Rússia.
“Se você me pergunta qual país está mais preparado, eu diria que a Rússia. Porque aqui conseguiram organizar um Mundial que funcionou perfeitamente no técnico. Todos os estádios estavam muito bem, todas as instalações e a logística funcionou”, conclui Fest.
Fonte: Por Ana Carolina Moreno, G1