Há mais ou menos três anos desisti de buscar um apartamento para alugar em Madri e fui viver em hotéis. Ainda não decidi se foi uma boa ideia, mas acho que agora, pelo menos, entendo melhor as particularidades dessa espécie de vida substituta que, ao se ver em apuros, alguns dos meus escritores preferidos também resolveram experimentar. Como Oscar Wilde, que depois de três anos de exílio em hotéis da França e da Itália morreu em conflito com o horrendo papel de parede de sua pensão de Paris (hoje um hotel de luxo). Ou Agatha Christie, que após descobrir que seu marido a estava traindo com outra mulher, escondeu-se no Old Swan Hotel de Harrogate durante os 11 dias em que os detetives de Scotland Yard, 15.000 voluntários, o coronel Christie, vários aviões e uma médium a quem Arthur Conan Doyle entregou uma de suas luvas a procuraram por todos os lugares.
No meu caso, o detonador dos meus anos de hotel foi a mistura explosiva entre uma ruptura sentimental, a dificuldade de encontrar outro apartamento em Madri e a possibilidade que tenho de ganhar a vida de qualquer lugar onde possa me conectar à internet.
Por que diabos dar todo o meu dinheiro a algum proprietário de imóvel no bairro Lavapiés que cobrará cada centavo quando a geladeira quebrar, e não ao concierge de um hotel de Palermo que me dá bom dia e me chama de senhor ao me ver? Convencido por esse tipo de situações, em setembro de 2018 desembarquei em Siracusa (Sicília) para me hospedar em um desses hotéis com pinturas no teto da sala do café da manhã. Foi a primeira parada do meu grand tour, essa viagem que os jovens do Iluminismo empreendiam durante vários meses ou até mesmo anos para completar sua formação, e que, mais do que para aprender a emitir uma opinião consumada sobre uma pintura de Tintoretto, às vezes acho que realizei simplesmente para ter uma forma organizada de concatenar minhas estadias em hotéis. Recentemente, fiz as contas: nos últimos três anos, dormi em 96 camas de hotel.
Já sei que trabalhar com várias reservas de hotel, dada a dificuldade que minha geração tem para ter acesso a uma moradia, parece maluquice. E é, como me alertaram vários amigos que sabem que não sou nenhum milionário quando lhes falei pela primeira vez do meu grand tour, que eles compararam com um truque ingênuo de escapismo. No entanto, agora estou convencido de que, em muitos aspectos, a vida de hotel é mais autêntica do que a doméstica. Para alguém que sofreu uma decepção tão grande como a de Agatha Christie e já não confia na palavra lar, eu diria que é até recomendável.
Penso na casa que compartilhei com minha ex: essa casa mentiu ao nos fazer acreditar que duraria para sempre, e assim a fomos enchendo de coisas. Os hotéis nunca me enganaram, nunca enganam ninguém.
Por mais confortável que eu estivesse naquele primeiro hotel do sul da Sicília, nada no meu quarto me incentivou a enchê-lo de plantas e vasinhos, e não encontrei nele mais espaço vazio do que o necessário para colocar minha roupa, minha nécessaire e o livro que estava lendo, todas essas coisas que transportamos facilmente de lá para cá e não nos prendem sentimentalmente a nenhum lugar específico. No último dia, peguei minha mala e fui embora. O concierge não fez um escândalo quando lhe devolvi a chave ao me despedir. E eu também não quando vi que ele a entregou em seguida a um italiano com melhor pinta que a minha.
Os próprios quartos de hotel sabem de tudo isso e também não se deixam enganar por hóspedes que acabarão por abandoná-los mais cedo do que tarde. Todos esses quartos têm algo felino que não se deixa domesticar.
Se, por exemplo, eu mudo de lugar uma mesinha de cabeceira que me atrapalha, no dia seguinte volto da visita ao museu e descubro que ela retornou teimosamente ao seu lugar. O quarto também não tolera minha desordem, nem permite que meus gostos ou manias o influenciem. Escondo no armário o quadro horrível pendurado em cima da cama, e meu quarto rejeita essa crítica artística porque volta a colocá-lo no lugar original assim que tem uma chance. Finalmente, chega a hora de partir e deixo o quarto. O cisne de toalhas que desmontei no primeiro dia ressurge então para dar boas-vindas ao próximo hóspede, e o copo de água do banheiro volta a vestir sua roupa de plástico para estar apresentável ao receber uma nova escova de dentes. Alguém que acaba de ter o coração partido confiaria, por acaso, em um comportamento diferente?
É claro que os hotéis preferem se vender como lugares de fuga, em vez de uma espécie de spa para almas em suplício. Talvez sejam realmente isso quando só passamos um fim de semana ou feriado prolongado neles. No entanto, ao viver de hotel em hotel não escapamos da realidade. Na verdade, acho que de nenhuma outra maneira experimentamos o turbilhão do mundo mais intensamente do que indo de hotel em hotel, e não me refiro só a essa ideia já batida de que todo hotel é como uma Babel em miniatura onde somos acordados pelos gritos de um casal dinamarquês em uma noite e pelos roncos de um suíço na seguinte.
Quem disse, por exemplo, aquilo tão bonito de que a história nada mais é do que o som de chinelos de seda descendo as escadas enquanto botas cravejadas de tachas e manchadas de barro as sobem estrondosamente? Bem, essa verdade que Luís XVI só soube quando era tarde demais eu aprendi em um dia na única vez que consegui me hospedar em um bom hotel em Veneza.
Foi naquela semana de outubro de 2018 em que o Acqua Alta inundou três quartos da cidade.
Ao ver que a água chegava aos tornozelos das pessoas, saí do café onde estava escrevendo e voltei para o meu hotel, primeiro encharcado até essa mesma altura da perna, em seguida até abaixo dos joelhos, e depois até a metade das coxas.
Meu hotelzinho com vista para o Grande Canal também estava inundado. Do outro lado dessa veneziana metálica com que os estabelecimentos locais se protegem do Acqua Alta, pedi aos gritos minha mala e cancelei o resto da minha estadia. Em seguida, parti com 20 quilos de bagagem na cabeça e o iPhone entre os dentes rumo à estação Santa Lucia. Lá, peguei o primeiro trem que pude. Ia para Milão.
Durante o trajeto, dediquei-me a procurar um hotel para passar a noite. Lembro que todos eram muito caros (acho que era véspera do Dia de Todos os Santos) e que demorei tanto para me decidir por algum de que gostasse e não estourasse meu orçamento que, no final, acabou a bateria do celular. Assim, ao chegar a Milão não tive escolha a não ser me apresentar diretamente no primeiro hotel que não parecia muito caro. Talvez tenha exagerado um pouco ao garantir essa última característica, e aqui vem a lição de vida que recebi naquela noite de outono: comecei o dia tinha acordando em um quarto com cortinas de seda, e acabei deitado em uma cama com queimaduras de cigarro na colcha, em um quartinho infestado pelo cheiro de umidade das minhas calças encharcadas pela lagoa veneziana.
Algo semelhante me ocorreu muitas vezes quando, ao tentar prolongar minha estadia em um hotel, calhava que nesse dia se realizava na cidade um jogo de futebol ou um congresso de médicos, físicos, etc. e os preços disparavam. Então eu tinha de ir para outro destino, mais acessível, como se minhas ações na bolsa tivessem despencado. Em outros dias, ocorria o contrário: eu chegava fora de temporada a uma cidade cara como Biarritz e me transformava em O Grande Gatsby. A vida de hotel me acostumou, assim, aos golpes do acaso. A ter de me despedir de todos os lugares. A que o velho elevador de madeira pelo qual passei a ter carinho talvez nunca mais me leve para a cama.
Indo de hotel em hotel, ocorre além disso um fenômeno muito benéfico para quem sofre uma tristeza muito grande.
Antes de levar esta vida errante, eu achava, como quase todo mundo, que as novidades e a diversão aceleram as horas, enquanto a monotonia e o tédio as deixam mais lentas. É uma ideia que colocamos na cabeça quando, ao voltar para casa ao fim das férias, temos a impressão de que nos ausentamos apenas dois segundos e que durante a viagem o tempo passava voando. No entanto, agora sei que quando essas novidades se sucedem continuamente e não são interrompidas por uma volta ao lar, ocorre exatamente o contrário: o tempo fica maior e um ano com muitas mudanças parece durar o dobro de um ano monótono. Portanto, ao acordar cada vez em um lugar diferente, esse espaço de tempo que todos os especialistas recomendam colocar no meio daquilo que nos afeta vai se ampliando, e acho que se Agatha Christie pegou o Expresso do Oriente pouco depois de assinar seu divórcio não foi só porque Bagdá estava bem longe do coronel Christie, mas porque com cada semana de viagem ela ganhou duas de esquecimento.
Em fevereiro de 2020, eu estava seguindo os passos de Lorde Byron e outros viajantes pela Espanha e por Portugal quando a pior gripe que já peguei me deixou pregado a uma cama de hotel em Lisboa durante quase uma semana. Reconheço que naqueles dias de febre senti falta de ter uma cozinha à mão, porque foi bem penoso ter de me arrastar pelas ruas íngremes da cidade para comprar banana e iogurte sem açúcar. Poucas semanas depois, começou o confinamento. Minha grande viagem pela Europa se transformou em uma estadia de vários meses na casa dos meus pais, triste destino para qualquer um que tenha saído em uma aventura. “Sou um imbecil. Assim que der, voltarei a Madri para buscar um apartamento”, pensei muitas noites deitado na caminha que aguentou minha adolescência. No entanto, agora que estou prestes a ser vacinado, acho que vou ficar mais algum tempo em hotéis. Depois de tantos meses suspeitando de todo mundo e temendo cada espirro alheio, valerá a pena voltar para aquelas famílias de estranhos.
Fonte: El Pais Brasil / Artigo de DIEGO PARRADO