Talvez você não conheça – mas existe um truque para comprar passagens de avião que permite aos passageiros economizar um bom dinheiro em tarifas.
E as companhias aéreas estão fazendo de tudo para acabar com essa prática de uma vez por todas.
Conhecida como “skiplagging”, a estratégia funciona da seguinte maneira: digamos que alguém queira voar de Boston para Houston, mas a tarifa é muito cara.
A pessoa compra então uma passagem de Boston para Las Vegas com escala em Houston, porque custa menos do que o voo direto. E desembarca em Houston, sem utilizar o trecho final da passagem.
‘Skiplagging’ é uma tática usada por viajantes experientes para economizar no preço da passagem — Foto: JESHOOTS.COM/Unsplash
Desta forma, o passageiro não completa a jornada inteira que reservou, mas economiza dinheiro fazendo isso – e é bom lembrar que isso só funciona para quem não despachou bagagem, pois esta só pode ser retirada no destino final.
A prática virou notícia no início deste ano, quando a companhia aérea alemã Lufthansa processou um passageiro que economizou dinheiro pulando um trecho de uma passagem de ida e volta.
As companhias aéreas odeiam quando os passageiros tentam burlar o sistema. E, apesar do fato de processos como este tenham fracassado no passado, a Lufthansa pede uma indenização de mais de US$ 2 mil ao passageiro.
Enquanto isso, as empresas tentam conter a onda de passageiros que conseguem tarifas mais baratas comprando passagens com as chamadas “cidades ocultas”.
“A emissão de bilhetes com ‘cidades ocultas’ é um problema que as próprias companhias aéreas estão criando”, diz Henry Harteveldt, fundador da empresa de consultoria de viagens Atmosphere Research.
“Entendo perfeitamente, como analista de companhias aéreas e empresário, por que as companhias aéreas tiram o máximo que podem onde têm vantagem. É disso que se trata o negócio”, diz Harteveldt.
“Mas quando uma companhia aérea coloca preços estúpidos e a tarifa em um hub [aeroporto] é absurdamente alta, é quase como se as empresas fizessem um convite às reservas com ‘cidade oculta’.”
Não se trata da distância
A questão, diz Harteveldt, é a lógica que sustenta os preços das companhias aéreas, o que pode parecer incompreensível para os clientes.
“Se a companhia aérea A tiver um concorrente de baixo custo, ela vai equiparar (a tarifa); se não, cobra um ágio. Tudo depende da concorrência, e é por isso que as companhias aéreas reduzem estrategicamente as tarifas em alguns mercados, e em outros não. Nas minhas discussões com as empresas, elas dizem que não querem perder participação de mercado e vão correr um risco calculado. “
Peter Belobaba, principal pesquisador do Centro Internacional de Transporte Aéreo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), diz que esse tipo de tarifação é encontrado em todo o mundo.
“Por exemplo, Boston-Las Vegas é uma rota de lazer que é mais sensível ao preço. Já Boston-Houston é um mercado empresarial, o que significa tarifas mais altas. São mercados muito diferentes quando se trata de concorrência e sensibilidade aos preços”, explica.
“Do ponto de vista econômico, faz todo o sentido cobrar tarifas mais baixas na rota Boston-Las Vegas, mesmo que seja mais longe do que Houston em termos de milhas, especialmente se a concorrência estiver cobrando US$ 199 por um voo sem escalas “, acrescenta.
Tony Webber, diretor-executivo da empresa de pesquisa de aviação Air Intelligence e ex-economista-chefe da companhia aérea Qantas, diz que processos judiciais contra passageiros, como o apresentado pela Lufthansa, são uma tática assustadora.
Ele explica que o ‘skiplagging’ tem impacto na receita das companhias aéreas à medida que elas não conseguem maximizar seus ganhos – se tivessem vendido o assento para o voo direto, teria sido provavelmente a uma tarifa mais alta.
Assim, a emissão de passagens para ‘cidades ocultas’ reduz o lucro que a empresa teria por cada assento e dificulta o que já é um negócio com margem reduzida.
Mas, argumenta Harteveldt, as companhias aéreas praticam overbooking (venda de mais passagens do que assentos disponíveis) porque sabem que alguns passageiros não vão aparecer, então é improvável que o assento fique vazio.
Dilema ético
Ainda assim, passageiros frequentes fustigados pelas altas taxas, serviços ruins, atrasos e cancelamentos de voos tendem a não se importar muito com os problemas das empresas aéreas.
Os ‘skiplaggers’ são geralmente os viajantes mais experientes, que costumam ser os melhores clientes da companhia.
E a única maneira de descobrir quantas pessoas estão recorrendo à prática é perguntando ao Skiplagged, site que facilita a busca por ‘cidades escondidas’ em conexões.
O fundador do site, Aktarer Zaman, não respondeu aos questionamentos feitos pela BBC. Mas o fato é que ele parece ter muitos simpatizantes.
Quando a companhia aérea americana United tentou processá-lo sem sucesso em 2015, uma campanha de financiamento coletivo arrecadou mais de US$ 80 mil para sua defesa.
Mas até que ponto essa prática pode ser questionada? Afinal, a companhia aérea ofereceu um assento a um determinado preço e recebeu esse valor.
A coluna The Ethicist, que debate questões éticas no jornal americano New York Times, não vê problema com o skiplagging. Nos comentários, os leitores concluem que fazer uma compra não obriga você a usar o produto.
“Sim, as companhias aéreas foram remuneradas, mas geralmente essa remuneração proporcional é menor do que o valor de mercado das tarifas para o trecho que o passageiro perdeu de propósito”, explica Webber.
Ou seja, embora a companhia aérea tenha sido paga pelo passageiro, o valor é inferior ao que a empresa teria recebido se o passageiro não tivesse recorrido ao ‘skiplagging’.
Na verdade, os contratos de transporte aéreo, que definem unilateralmente o acordo entre a empresa e o passageiro na hora da compra da passagem, muitas vezes proíbem a emissão de bilhetes para ‘cidades escondidas’ e prometem tomar uma série de medidas em caso de suspeita de violação por parte dos passageiros.
É compreensível, no entanto, que os passageiros tenham aversão a contratos de transporte, uma vez que as companhias aéreas recorram a eles como uma desculpa para não prestar serviços quando algo dá errado.
Passageiros compram passagem com escala, por ser mais barata, e deixam o aeroporto na cidade de conexão — Foto: chuttersnap/Unsplash
Negócio arriscado
Como o processo aberto pela Lufthansa mostra, a prática pode ser arriscada para o passageiro. Se você tentar abandonar o voo em uma conexão, pode ser descoberto e até mesmo impedido de sair do aeroporto.
“Requer esforço e tempo para fazer isso”, diz Harteveldt.
“Reservar itinerários incomuns pode levantar bandeiras vermelhas, alguém pode sinalizar e monitorar você enquanto voa. Em alguns casos, você pode receber uma carta ou ser recepcionado por um segurança da empresa no portão de embarque. A intenção das companhias aéreas é intimidar e recuperar o que elas consideram ser perda de receita. “
Webber acredita, no entanto, que é quase impossível rastrear passagens para ‘cidades escondidas’. Mas com a adoção de novas tecnologias, isso não vai durar muito tempo.
As companhias aéreas já têm muitas informações que podem extrair dos registros de passageiros frequentes. E, de fato, muitas empresas aguardam o desembarque dos passageiros e os acompanham até o portão de embarque do próximo trecho.
Ser pego, acrescenta Harteveldt, pode significar comprar uma passagem de última hora que custa mais do que o valor que você estava tentando economizar.
As agências de viagem, por sua vez, podem perder a possibilidade de emitir bilhetes para determinada companhia aérea se reservarem bilhetes para ‘cidades escondidas’.
Além disso, as empresas aéreas podem compartilhar os nomes dos passageiros que adotam esta prática com seus parceiros ou simplesmente bani-los.
Na opinião da jornalista Benét Wilson, que escreve sobre viagens, é algo que os passageiros devem fazer por sua própria conta e risco.
“Eu entendo como os viajantes se sentem em relação aos preços das passagens e o fato de que estão tentando roubá-los. Mas isso realmente depende de onde você mora. Se você mora em um hub, os preços são mais altos. Isso se chama capitalismo.”
“Também entendo a tentação de compensar isso, mas você precisa entender que pode ser processado, pode perder todas as suas milhas de passageiro frequente. Podem cancelar sua adesão.”
Em resumo, diz ela:
“Não odeie o adversário. Odeio o jogo.”
Fonte: G1 Turismo